2 de outubro de 2013

Sim, eu sou feminista

. Sim, eu uso meias coloridas - Amanda Machado


Texto escrito no período de março à outubro

   Eu li o livro da (maravilhosa, linda e hilária) Caitlin Moran, livro este que me foi indicado pela revista mais parecida comigo, ou seja, pequena, inteligente, desbocada e linda, da mídia brasileira. Enfim, a conclusão a qual eu cheguei antes de terminar o livro é a que dá nome ao título dessa postagem-blá-blá: Eu sou (super-hiper-mega-giga) feminista. E sim, eu sou feminista e não a louca que vem no imaginário das pessoas quando elas ouvem essa palavra. Eu sou mulher, quero poder falar por mim mesma, usar minha inteligência trabalhando e ganhando o mesmo que qualquer homem que exerça a mesma atividade que eu - e  tenha a mesma inteligência que eu, por favor! -, quero decidir o que fazer com o meu corpo, com que tipo de roupas cobri-lo, quero decidir se quero, ou não, ser mãe, quero decidir se faço sexo, a hora em que o faço e com quem (e quantos) eu faço. É isso, quero ser dona da minha vida de mulher. Não, eu não quero ser um homem, eu quero poder fazer tudo o que eles fazem sem que ninguém se ache no direito de questionar, e ser feliz com isso.
   Quando eu me tornei feminista? Bem, na época eu não sabia o que era feminismo, muito menos que eu o era, mas eu me lembro bem. Eu estava na quinta série, era muito magra, muito inteligente, tinha muito problema de visão, logo usava um óculos que me deixava muito feia, tinha pernas muito parecidas com palitos, era muito baixa, ou seja, muito estranha, e os meninos já sabiam disso. As meninas também. E assim, eu era o foco de todas as piadas da sala, todos os meninos caçoavam de mim, sem trégua, as meninas não, porém elas sabiam lá no fundo que não queriam se parecer comigo, eu sei.
   Faço questão de não lembrar detalhes sobre as piadas, exceto alguns casos, como o do garoto que me chamava de "amendoim" porque em uma aula de inglês a professora me chamou usando a pronúncia inglesa do meu nome. Acredito eu que hoje ele não deve mais lembrar o meu nome de tanto que repetiu "amendoim" nos 3 anos seguintes.
   Eu me perguntava sempre o motivo de eles não desejarem a minha amizade, já que eu sempre estava disposta a ajudar, a fazer trabalhos com eles, mas a resposta não era tão óbvia. Alguns meses depois se tornou. Eles preferiam as outras garotas porque elas não os desafiavam, os professores não os comparavam com elas, elas não os faziam se sentir menores, não eram uma ameaça, ou o centro das atenções. Elas eram apenas um corpo com um par de pernas usando saias curtas, só. Era assim que eles viam todas elas, exceto eu, já que mesmo que eu usasse saias, minhas pernas nunca chamariam atenção - e, é assim até hoje. Eu era a garota que os desafiavam em disputas de busca de palavras no dicionário, e ganhava. Eu era a garota que tinha as maiores notas, e todos os elogios. Eu sabia mais, era mais falada, era a que mais impressionava, não que eu estivesse me sentindo melhor por isso na época, muito menos hoje. Mas eu era uma garota, e as garotas não podiam ser assim tão boas, não melhores que eles, e por isso eles me colocavam para baixo. 
   Em algum momento eu percebi que quanto mais eu sofresse com as brincadeiras deles, quanto mais eu chorasse, quanto mais eu abaixasse a cabeça e aceitasse que eles podiam falar e agir daquele jeito comigo, mais eles o fariam e se sentiriam vitoriosos, e assim, eu me libertei. Falei pra quem quisesse ouvir que o que eles pensavam sobre mim não mudava nada, eu era aquela garota, sempre seria, e tinha orgulho de ser. Eles poderiam falar o que quisessem, juntar mais uns 30 garotos e usarem qualquer tipo de tática, eu não cairia. Eu era tão boa quantos eles, ou melhor, e eles tinham medo de mim - talvez nem tanto, mas eles não sabiam que eu era inofensiva - por eu ser quem eu queria e não ficar tentando mudar para me adequar.
   Eles me aceitaram, me chamaram para o grupinho e eu passei a ser "um deles", de saia. Eles viram que eu tinha coragem, que eu merecia respeito e que eles me deviam isso. Se tornaram meus amigos. Alguns deles muito amigos, até hoje.
   E naquele dia eu aprendi comigo mesma um dos meus maiores valores e, na minha opinião, adquiri uma das minhas melhores qualidades, eu me aceitei, e me amei do jeito que eu sou sem me preocupar com o que pensam de mim. Mulher, de saia ou short, de cabelos longos ou curtos, com uma nota 10 ou uma decepção amorosa. Aos poucos, fui melhorando o meu lado feminista e me aceitando mais, ao ponto que chego hoje a ser tão feliz sendo eu. A questão é: Eu não digo que sofri bullyng quando lembro dessas histórias, e sim que eu conheci o machismo na minha pele, e desde essa época, eu luto para que as coisas sejam diferentes ao meu redor, luto para eu ser boa e tão boa, não para que as pessoas se esqueçam que eu sou mulher, e sim para que isso seja a primeira coisa que lhes venha à cabeça. 
   Há 9 anos, eu rejeito piadas machistas, brigo com quem diga que mulher dirige mal - mesmo que existam umas que sim -, sonho alto, convenço a todos a terem mais respeito por nós, e crio uma guerra quando se torna necessário, porém hoje, eu sei, que quanto mais eu gritar mais não vão me ouvir, minhas atitudes são muito mais claras. Há 9 anos eu sou feminista, com prazer.