14 de julho de 2014

Pra sempre fui acorrentada no seu calcanhar, Ouro Preto

. Sim, eu uso meias coloridas - Amanda Machado

 Essa viagem nasceu no ano passado quando eu fiquei sabendo que no período em que estivesse acontecendo a Copa do Mundo de Futebol no Brasil, a minha tão amada faculdade me daria de presente as férias que há muito eu não tinha. A partir desta informação, planos foram feitos e desfeitos, tempo passado, enfim, cá chegamos. Eu, na minha "vida louca vida", tinha desistido da viagem por alguns motivos, no entanto, como os motivos mudaram rapidamente, e como o destino tem dessas coisas, acabei sendo convidada a ir à Ouro Preto pelo tão amável Paulinho Moska. Ele leu meus pensamentos, o feicebuque leu meus pensamentos, alguém leu meus pensamentos... E, como num surto, eu pulei da cama e resolvi ir à Ouro Preto. De cara, pensei em convites, não queria mais ir sozinha, negado os míseros dois convites, e um, extraviado, quis ir sozinha. Os meus? Novamente me chamaram de louca, argumentaram sobre o perigo, questionaram sobre o meu medo. Eu ignorei. Tive uma única dúvida:
 "Mãe, eu vou morrer?"
 "Não. Você não tá me perguntando se pode ir né?"
 "Não. Só quero saber a sua opinião."
 "Você quer ir? Vai!"
 Eu fui.
 Louca toda vida.
 E tomei uma das melhores decisões dessa minha curta vida. Poderia ter dado errado, eu sei. Mas não deu. Me arrisquei, um risco pequeno aos meus olhos, mas grande quando colocado na conta daquela eu que não se arrisca por nada. Fui em busca de mim, de me conhecer, de saber o quê e quanto mudou, eu estou muito mudada. Algumas músicas não fazem mais sentido. Alguns rótulos não são mais meus. Alguns gostos eu deixei de lado. Mudei muito mas precisava sair por aí comigo mesma pra conhecer essa pessoa que eu me tornei ao longo desse ano.
 Uma vez em Ouro Preto, de cara aprendi uma das maiores lições sobre viajar sozinha. Se você tem uma vagina, não se preocupe em fazer amigos. Eu sou tímida, mas deixei esta bem de lado na viagem. Eu sou ríspida, desconfiada, levemente má educada, deixei de lado também. Não era um personagem, era eu, mas um eu despreocupado, como eu fico quando estou nos braços de alguém que confio. No entanto, só isso não faz amizade, ser mulher ajudou bastante.
  Já nas minhas primeiras horas, e durante um BrasilversusAlemanha de chorar, eu ganhei companhia. As pessoas que passavam ao lado do Obelisco na Praça Tiradentes antes do jogo falavam comigo, o cara de pernas de pau falou comigo, a menina com guarda-chuva colorido e torto falou comigo, o casal com gêmeas fofas falou comigo, o senhor bebendo cerveja falou comigo. O jogo ia começar. Olhei pro céu, e estava numa beleza radiante. Falei com Deus com convicção de que a nossa seleção ganharia. Eu achava que ia ganhar. Essas coisas que a gente só sente porque ama e confia em algo? Então. Enfim, entra o Bernard lindinho no jogo, eu o peço em casamento nos meus pensamentos - e no feicebuque -, eu canto o hino, tenho esperanças, lembro que amo futebol, acompanho os dez primeiros minutos do jogo, que são muito bons para seleção brasileira, tendo medo de quando as coisas começam bem, e 6 minutos e 40 segundos de tristeza. Acabou? Não. Apagão? Sim. Eles são tão ruins? Não, certeza. Eles são os melhores? Não, certeza. Ainda tem chance? Eu sempre vou acreditar. Acreditei, torci, vai ver rolava um milagre. Não rolou. Um cara feliz com uma cerveja na mão e pedindo um 8x0 me ofereceu seu ombro pra eu chorar, chorei, discuti, contei caso, ótima companhia.
 Aquele jogo não ia estragar a minha viagem.
 Saí a noite andando por Ouro Preto, destino: Rua Direita. Banda de gente estranha e bonita tocando na rua, paro e me recosto no muro de um pub, vejo olhos me olharem, penso em ir embora, mas então vejo que esses olhos são um riso contente, tipicamente nordestino, deixo este me adentrar, e conheço uma pessoa incrível, que faz com que eu sorria mais que o normal, que eu deixe meu medo das pessoas de lado, que eu paquere. Fim de terça, conversa na sala e ouço de um homem a melhor coisa que ouvi durante toda a viagem, "É difícil admitir, mas você é mulher e entende pra caralho de futebol". Ouro Preto é linda!
 Quarta-feira, vestido longo, sandálias se arrastando. Bora pro mundo! A vista é linda, as moedas são lindas, a senzala é triste, escura, fria; as pessoas são lindas, a água é barata, a comida também, as trufas são incríveis, os oratórios também, Aleijadinho é maravilhoso, e a Igreja de São Francisco de Assis é a mais maravilhosa de todas. Segue tarde. Concluo que pra visitar Ouro Preto é necessário trazer um par de pés sobressalentes, os meus doem pra burro.
 Noite que chega, Holanda perde nos pênaltis para a Argentina enquanto eu tomo banho. Conheço duas pessoas legais na mesma meia hora. Uma, me ensina que tudo em Ouro Preto foi feito pra durar. E a outra, que eu tenho mesmo que me jogar, e como, risos. Encontro marcado com Paulinho Moska, mudo de direção apenas para ouvir um belo coral cantar. Moska faz mais do que me surpreender, se eu já gostava antes, hoje sou uma fã apaixonada. Berros a parte, volta pra dormir. Conversa na sala. Dor de ouvido durante a madrugada. Eu só quero dormiiiiiiiiiiiir! Ouro Preto é friamente congelante!
 Quinta-feira, casaco em mãos. Bora pro mundo! Passo antes na farmácia porque preciso de remédio para dor de ouvido. As ruas são lindas, os quadros também, a Mina é mágica, Chico Rei é REI. Conheço um japa que precisa que eu traduza o mineirês de Bianca Pink pra que ele entenda a história que ela conta. Mais um amigo. Ouro Preto é tão legal comigo. Mais dois amigos, agora eu tenho uma amiga trans, ueeeeeeeba! Me separo do japa pra almoçar, como a melhor quiche do mundo, do MUNDO, e quem me atende é um francês gato que me pede desculpa por me deixar esperando, eu te espero pra sempre seu lindoooooo! E partiu museu, pedras preciosas, igrejas, chuva, chocolate quente com pão de queijo no café mais lindo da cidade. Felicidade. Compro cachaça, pau de chuva, caixinha de pedra sabão, licor de chocolate com avelã, e chuva na cabeça.
Noite que esbarra, conversa boa, friozinho, encontro marcado com Leo Fressato e Ana Larousse. Bora! Como num dos lugares mais saborosos de Ouro Preto e depois só deixo a música boa me invadir. Fim de show. Ganho beijo na boca do mais lindinho cantor de amor do Brasil, compro dois CDs, música boa curitibana nos ouvidos, autógrafo, abraço, sou linda, foto. Volto sozinha pelas ruas de Ouro Preto. Portão que se abre sozinho, eis que vejo: boa companhia, boa surpresa, bom papo, bom corpo. Me rendo. É a última noite. Me coço pensando em quem eu quero ser, reprimindo, exalando. Cama, dormir, decisão. Ouro Preto é minha!
 Sexta-feira, comida boa, comida boa, papo com alemão, comida boa, comida boa. Noite, Rio de Janeiro, casa. Eu volto e sou recebida por um céu que dá risada.
 Ainda não acabou pra gente, Ouro Preto. Eu volto já, mas volto no verão!
"Um amor novo a cada manhã... Nas minas gerais do meu coração o que se extrai é minério de amor." 
                               Leo Fressato

Playlist da viagem:
(Praça Tiradentes vista da Escola de Minas. Julho/2014)
"Pra sempre fui acorrentado no seu calcanhar"

"Tudo começou aqui
Longe do mar
É que o cinza é maior que o céu
E o resto é chorar
Vai menina, põe teu rosto de sorriso
Teu vestido azul tão lindo
Põe teu jeito de brincar
(...)
Foi do mundo se levantar
E agora é crescer
Vai menina, veste o peito de coragem
Corra, não perca a viagem
Porque os anos logo vem
(...)
E agora eu vou!"

(Sala Casa dos Contos. Julho/2014)
"Sou um móbile solto no furacão 
Qualquer calmaria me dá... solidão
Quando a âncora do meu navio encosta no fundo, no chão
Imediatamente se acende o pavio e detona-se minha explosão
Que me ativa, me lança pra longe pra outros lugares, pra novos presentes
Ninguém me sente...
Somente eu posso saber o que me faz feliz
Sou um móbile solto no furacão 
Qualquer calmaria me dá solidão"

(Banheiro da Chocolates Ouro Preto. Julho/2014)
"Calma 
Tudo está em calma 
Deixe que o beijo dure 
Deixe que o tempo cure 
Deixe que a alma 
Tenha a mesma idade 
Que a idade do céu"

(Igreja São Francisco de Assis. Julho/2014)
OURO PRETO
"Vamos visitar São Francisco de Assis
Igreja feita pela gente de Minas
O sacristão que é vizinho de Maria Cana-Verde
Abre e mostra o abandono
Os púlpitos do Aleijadinho
O teto do Ataíde
Mas a dramatização finalizou
Ladeiras do passado
Esquartejamentos e conjurações
Sob o Itacolomi
Nos poços mecânicos policiados
Da Passagem
E em alguns maus alexandrinos
Só o Morro da Queimada
Fala do Conde de Assumar"


(Área posterior à Igreja de São Francisco de Assis. Julho/2014)
"Eu sei
Ela é um pouco rebelde
Eu sei
Talvez seja covardia
Eu sei
Talvez troque a noite pelo dia
Eu sei
Talvez seja a juventude
Ou talvez tenha lido demais
Visto filmes demais"

(Igreja de Santa Efigênia vista da Igreja de São Francisco de Assis. Julho/2014)
"Vamos acordar
Hoje tem um sol diferente no céu
Gargalhando no seu carrossel
Gritando nada é tão triste assim
(...)
É tudo novo de novo
Vamos nos jogar onde já caímos
Tudo novo de novo
Vamos mergulhar do alto onde subimos

Vamos celebrar
Nossa própria maneira de ser
Essa luz que acabou de nascer
Quando aquela de trás apagou

E vamos terminar
Inventando uma nova canção
Nem que seja uma outra versão
Pra tentar entender que acabou"

(Porta lateral da Igreja do Pilar. Julho/2014)
"Eu grito por liberdade, você deixa a porta se fechar 
Eu quero saber a verdade, e você se preocupa em não se machucar 
Eu corro todos os riscos, você diz que não tem mais vontade 
Eu me ofereço inteiro, e você se satisfaz com metade"

(Minha vista favorita! Igreja do Pilar à esquerda. Julho/2014)
"Então siga o seu caminho
Faça o que quiser fazer.
Pode sair de mansinho
Mas não poderá mais me esquecer
Mas não poderá mais me esquecer"