27 de setembro de 2014

Não volte pra casa meu amor que aqui é triste...

. Sim, eu uso meias coloridas - Amanda Machado

 Não lido bem com a solitude. Não fico bem sozinha comigo mesma. Sobra espaço pra pensar no vazio que os meus desejos deixam. Sobra espaço pra remoer os planos deixados pra trás. Dá medo. Só comigo não me deixa bem. Parece que agora eu não sei mais ir sozinha, preciso de alguém segurando minha mão pra andar, pra ir adiante. Preciso de mãos quentes percorrendo meu corpo. Preciso de olhos pequenos me olhando que ficam ainda menores quando sorriem. Preciso de sol, e de sombra, e de olhar a chuva de dentro do carro. 
 Se eu chego e estou só, arrepia a alma. Porque quando se está sem alguém é preciso ser você mesmo, todo o tempo, só você, e se encarar, sem fingir. E é foda aguentar ser você mesmo todo tempo. É foda quando você está um saco. É tão mais compreensível, e natural, e saudável, e feliz, fingir. Eu adoro a pessoa que eu sou hoje quando interajo, quando entretenho. Agora ser só é mesmo tão triste. 
 Houve tempo em que eu vivia bem no silêncio do meu eu, que eu respirava bem, que não me doía o corpo. Mas esse tempo agora passou. Sinto necessária a presença de outro ser. Sinto necessária presenças, porque dói a falta se sobra tanto espaço. E eu preciso que alguém ocupe. Mesmo que seja feio o substituir. Aqui é grande demais pra uma pessoa só. Sou eternamente espaçosa pra ser ocupada só por mim mesma. Preciso me encher logo. Porque todo esse espaço ainda está aqui, só sendo o vazio. E assusta quando o barulho ecoa. Eu lembro que tudo aqui já esteve preenchido. De não eu. 
 Eu poderia implorar a volta, não se pode recusar quando alguém implora, mas não. Porque o lugar de onde você foi não existe mais. E pra onde você iria? Repousar nos momentos felizes? Dói demais. E depois, isso só ia criar mais vazio. Ver você enxergar que depois que você deu as costas tudo se alargou e virou sofrer. Doeria demais. Ver que agora tudo é abstinência. Então não adianta. Não adianta implorar. Não adianta voltar se o lugar de onde você foi não está mais aqui. Acabou. 
 Só posso desejar ir também, e que você nem pense em voltar. Não volta. Não voltará. Só posso aguentar. Ir embora desse lugar que desde então é só vazio. Me abandonar pra não encarar o que me lembra a você em cada esquina de mim. E seguir. Até encontrar esse lugar onde eu vou ser só mas vou preencher todos os cantos. Onde só caberá a mim. De onde vou enxergar o seu novo lugar. De onde vou desejar que você seja solto, e livre, e que voe, "que a gente na vida foi feito pra voar", como eu sempre disse.
 É isso. As vezes se preencher só te deixa mais vazio. Porque tudo acaba. O bom e o ruim, tudo feito pra acabar. E depois o que acontece é triste demais.

Não volte pra casa meu amor que aqui é triste
Não volte pro mundo onde você não existe
Não volte mais
Não olhe pra trás
Mas não se esqueça de mim não
Não me lembre que o sol nasce no leste e no oeste morre
Depois o que acontece é triste demais
Pra quem não sabe viver pra quem não sabe amar

Não volte pra casa meu amor que a casa é triste
Desde que você partiu aqui nada existe
Então não adianta voltar

Acabou o seu tempo, acabou o seu mar, acabou seu dia
Acabou, acabou


Não volte pra casa meu amor que a casa é triste
Vá voar com o vento que só lá você existe
Não esqueça que eu não sei mais nada
Nada de você
Não me espere porque eu não volto logo
Não nade porque eu me afogo
Não voe porque eu caio do ar
Não sei flutuar nas nuvens como você
Você não vai entender
Que eu não sei voar
Eu não sei mais nada






23 de setembro de 2014

"Quando a dor é muita eu escrevo" - Bartolomeu Campos de Queirós

. Sim, eu uso meias coloridas - Amanda Machado

E só o que o me pergunto é: De onde vem tanta dor? Por que essa voz, que se parece tanto com a minha, não para de falar dentro da minha cabeça? Por que eu não consigo parar? É como se existissem mil ondas e todas elas resolvessem se chocar bem em mim, abalando tudo quanto é canto. Eu não estou aguentando. A base não é tão forte. Começo a afundar.

Meu dia-a-dia por si só é exaustivo. Vejo dor e doença e morte todos os dias, assim como vejo cura e recuperação e esperança pela vida. Balanceia. Tento equilibrar o que incomoda com coisas que fazem bem ao meu corpo, como dançar e ler. Mas não venho conseguindo manter tudo no lugar. Tenho mil pessoas dentro de mim e todas resolveram falar ao mesmo tempo. Não cabe em uma só. Não estou cabendo. Vazo. Escorro. E o que sobra está morrendo de medo. Medo de não suportar, medo de que essa angústia que chegou de repente sem nem dizer de onde veio, nunca acabe, medo de que não me falte as lágrimas - e logo -, medo desse cansaço. Muito medo.
Já digo cansaço porque cansa fingir felicidade. Há pessoas que não dá para enganar. Elas só te olham ou te escutam e já sabem que dentro de você está rolando uma guerra da qual está difícil se manter fora. E, é isso. As mil vozes que me mandam fazer tudo e nada ao mesmo tempo, se estapeiam, se socam, se xingam, - no fundo só quem está sentindo dor sou eu - e eu não consigo me manter fora, me focar na vida aqui fora, me concentrar nos meus deveres. Alguns notam. Os para o bem e os para o mal. E não falta cobrança.
Porque quando você está feliz, você é uma ótima companhia, uma ótima pessoa, uma ótima amiga, uma ótima ideia. Mas quando você está triste, quando a alegria não transborda, você não é uma ótima companhia, é uma péssima pessoa, cheia de defeitos gravíssimos, cheia de coisas a melhorar, é urgente. Não falta os "não seja assim", "não faça assim", "você não pode ser assim", "se esforce", "você tem que melhorar". Exaustivo. É difícil se concentrar quando se está triste. É difícil ser agradável. É difícil ser gentil. Eu só quero ser triste quando eu estou triste. E eu sei que eu sou triste boa parte do tempo mas se eu soubesse uma forma de não ser triste, ou de acabar com essa tristeza, eu juro que daria um jeito. Mas não há. Ninguém melhor do que eu conhece a minha tristeza. Ninguém luta tanto contra ela quanto eu, durante toda uma vida. Ninguém sabe o quanto essas lágrimas são de desespero, de acidez, de quentura. Minha dor ferve no meio do meu corpo, abre um buraco no meio do peito, e logo, sem piscadelas, não há com o que preencher. Fico assim, aberta, com a dor exposta.
Se cá estou louca, se me desfaço em cinza, se perco o controle e o descontrole, se me perco, se me largo, se me deixo, se me canso, é porque não sei mais o que fazer com isso tudo. Se faço tudo como o que menos quero, se escolho somente o que eu não quero, se me distribuo às pessoas erradas, se me dou de graça, se me esqueço de quanto custa, se menosprezo o esforço, se dou meu tempo, se o desperdiço, é porque não sei mais o que fazer com isso tudo. Eu não sei mais.
Me sinto fraca por admitir, me sinto leve por admitir, me sinto nua por admitir. Me sinto por admitir. No entanto, é só o que aguento fazer. Nessas noites de dar dó, onde saio do meu corpo e fico me admirando do alto, chorando num colchão no chão ou num banheiro com água caindo é que vejo que nada muda. Vivo cada dia na esperança de que em algum momento esse buraco vai se preencher, a dor vai acabar e eu vou saber onde colocar toda a ansiedade, mas sei, lá no fundo de cada parte de mim, que nada muda. Sempre. Talvez. Nada. Muda. Nunca. Não importa o tempo que passe, o quão madura você se torne, o quanto seu corpo se degrade, o quanto sua sanidade se esvaia, é sempre talvez nada muda nunca. É angustiante morrer de angústia.