. Sim, eu uso meias coloridas - Amanda Machado
Hoje o ar está tão pesado, mesmo tendo feito um lindo sol. Minha pele está tão fria, mesmo que as portas e janelas estejam cerradas. Meus olhos estão tão úmidos, mesmo que o desejo seja só mantê-los fechados. Meu eu está tão pouco, mesmo que eu tenha escolhido deixar grandes decisões pra depois.
Me cansei, de mim. Faço um exercício de me ver por fora, fora do meu corpo, de me analisar como quem analisa outro. Decido que vou ser bem crítica, como quando analiso algo que não me apetece muito. Decido que vou ser bem sincera, como quando preciso falar sobre algo que amo. Parto com essa tentativa, que no fundo, dói como deve doer um parto. Um parto de si mesmo. Sigo tentando não me odiar.
Mas percebo que me odeio, ali, deitada no canto da cama. Aquela menina não parece minúscula deitada no canto da cama? Parece tão miúda, como se fosse cheia de quase nada. Será que ela pensa? Pensa, deve pensar, está tão calada. Será que ela sabe? Que pode ser mais. Que pode ser menos. Que pode escolher. Será que ela tem notado que as decisões dela são bem grandes, não grandes que ocupam muito espaço, mas grandes que afetam muitas vidas? Que ela tem que decidir logo, já que não se pode esperar pra sempre por coisas óbvias de serem vistas. Onde ela aprendeu essa mania de achar mais fácil deixar as coisas passarem e acabarem pelo tempo? Alguém compreende? Alguém, sim, deve entender. Mas presumo que não seja por vontade, mas por vivência, por ausência de sorte.
Ela se mexeu, deve se mover. Sair para correr. Ou para comer. Não, só aguenta calada a dor de não ser movida. Me parece uma boneca agora, inútil, pálida, quebradiça. Choraminga... Tenho vontade de ir lá consolá-la mas sei que o melhor mesmo, para que ela aprenda a ser forte, é deixá-la só. Chora, pra ver se aprende mais a ser gente. Chora, pra ver se entende que o centro do mundo está longe de ser você. Chora, menina boba que não sabe nada da vida nem de ninguém nem de dor nem de amor. Mas depois para de chorar, por favor, porque assim eu não consigo te odiar tanto.
E a verdade é que eu a odeio mesmo, não por escolha, porque eu até queria achar motivo para justificar o fato de ela ser do jeito que é, mas por ideologia. Ela fica lá, parada, não fazendo o que quer por não saber o que quer. E eu acredito nessa coisa de ir, logo, correndo, provando, dando umas mancadas vez ou outra. Mas, não, ela decide ficar parada, nem fugir a coitada tenta. Só inércia. Não tenta. Não erra. Nunca acerta. Conveniência, alguém diria. Mas eu ainda sou obrigada a discordar. Isso não faz bem nem a ela. Veja, que está encolhida na cama com a alma presa no canto. Não sabe o que fazer consigo mesma, e essa cena já é triste só por existir. Não consigo mais olhar.
Concluo quando volto, a mim, enxergando pelos meus olhos, e tocando o lençol pelos meus dedos, e entendendo o mundo pelos meus sentidos, que me odeio, e que não quero ser eu, e que me odeio mais por não gostar de mim e não querer ser eu. Odeio porque não sei lidar comigo mesma. E porque faço mal à quem tenta saber lidar comigo. Faço mal quando os afasto. Quando não os entendo. Quando não sou sincera. Quando não falo. Quando só penso. E só vivo no pensamento, antes fossem coisas lindas de serem vividas e pensadas. Mas são só dor. E eu me odeio por viver flertando com a dor. Essa menina quase minúscula, enrolada em si mesma, jogada no canto da cama, no canto do dia, no canto da vida. Essa menina esqueceu de se amar, hoje.
8 de abril de 2015
29 de janeiro de 2015
71 letras
. Sim, eu uso meias coloridas - Amanda Machado
amor,
fluidez
sem
fim
com
dor
de
amor
não
se
brinca
nem
ri
perto
de
quem
se
fez
doer
por
tal.
amor,
fluidez
sem
fim
com
dor
de
amor
não
se
brinca
nem
ri
perto
de
quem
se
fez
doer
por
tal.
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